sexta-feira, 6 de julho de 2012

Princípios democráticos constitucionais: sonho ou realidade?

Por Fabrício Ferreira




Era o fim dos anos 80, mais precisamente ano de 1988. Uma década marcada por antagonismos erigia-se de um lado pela efusiva alegria e singularidade cultural que inebriava o povo brasileiro, herança dos rincões do movimento modernista, rico em seu vanguardismo e movimento, tão senhor de si que não aceitava como fundamento de existência outro norteador que não fosse a independência e autonomia. Embalados pelo rock, ritmo tão frenético e barulhento, ecoava até meados de outubro de 1988 a mais pura contradição: o som do rock, ensurdecedor em sua contestação e desfiguração aos padrões era silencioso, inerte. O cenário nada animador revelava uma sociedade perturbada pelos horrores da ditadura militar. Anos e anos de opressão fizeram com que o Brasil desaprendesse a “falar”.

Nossos anjos e demônios conviviam lado a lado, numa permanência impermanente, num bradar mudo de dor e alegria. Atônitos, todos os cidadãos tupiniquins se olhavam boquiabertos, absortos em suas próprias atitudes, em sua própria omissão. Entretanto, como a única permanência contraditória existente é a mudança, aos poucos a sociedade fora reagindo e em diversos pontos do Brasil, pequenas massas foram se organizando, especialmente articuladas pelos sindicatos, ecoando um grito preso de liberdade que há muito as afligia.

Cada vez mais sublevadas, as massas promoviam grandes comícios, surgindo uma manifestação sindical sem peleguismos, reivindicando democracia, liberdade, republicanismo e eleições diretas. Talvez sem a dimensão do que faziam, pessoas de todas as classes sociais, na mais forte expressão popular, davam corpo a um movimento que ficara conhecido como Diretas Já e, sem ao menos perceber, acabaram fazendo história. O cenário estava pronto, consagrava-se formalmente em 5 de outubro de 1988 definitivamente o renascimento da democracia, tendo como seu fundamento basilar a Constituição da República Federativa do Brasil.

A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a “Constituição cidadã”, pois foi fomentada a partir de ampla participação popular e porque visava a concretização da cidadania e da democracia como preceitos formadores da nação brasileira. Como toda Constituição, o objetivo da Carta Magna é a garantia dos direitos fundamentais dos homens e a organização democrática do Estado. Como forma de assegurar o cumprimento de tais objetivos, a Constituição de 1988 elencou outros fundamentos, chamados de princípios constitucionais democráticos ou princípios fundamentais democráticos. Tais princípios podem ser agrupados em várias classificações, mas independente de qual delas for adotada, certo é que os mesmos se propõem à promoção institucional dos direitos humanos no Brasil, sendo um marco jurídico do processo democrático.

A presença de tais princípios é tão forte em nossa Carta Magna, que no concerne à matéria referente às garantias fundamentais, nossa Constituição é uma das mais avançadas do mundo. Esses princípios estão espalhados pela Lei Maior e sua divisão mais clássica nos reporta à seguinte classificação: a) princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado (art.1° da CF/88); b) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes (arts. 1° e 2° da CF/88); c) princípios relativos à organização da sociedade (art. 3°, I, da CF/88); d) princípios relativos ao regime político (art.1°, parágrafo único, da CF/88); e) princípios relativos à prestação positiva do Estado (art. 3°, II, III e IV, da CF/88); f) princípios relativos à comunidade internacional (art. 4° da CF/88).

Passados quase 24 anos e sedimentada institucionalmente a nova ordem constitucional, democrática e soberana, a grande questão que aflige a sociedade brasileira não diz mais respeito à instauração da ordem, tampouco à sua consolidação de direito, mas de fato, no plano da eficácia, a fim de que o que fora consagrado na Constituição nacional não figure como mera perfumaria de direitos, para que não transforme a esperança de toda uma geração em frustração. A pergunta que se faz é: os princípios democráticos albergados pela Carta Magna brasileira de 1988 são uma quimera ou realidade?

Para tal dúvida, cremos existirem caminhos que nos apontem para as duas direções, mas ambas com o mesmo fito: garantir um pleno e consistente desenvolvimento do Brasil, com promoção da igualdade social, da dignidade da pessoa humana e da paz social. É indiscutível que nossa democracia é recente e, por isso, pouco amadurecida. Claro também nos é que diante de um cenário histórico de injustiças e desigualdades seja natural que a população queira a instalação imediata dos efeitos prometidos pela Constituição via garantias fundamentais, mas é preciso compreender-se que a efetivação de seu alcance não ocorrerá de uma hora para outra, assim como não fora em nenhuma outra nação que tenha passado por processo de transição histórica semelhante ao nosso. Exclusive esse desejo, é perfeitamente natural e plausível que haja relativa demora para que a ordem democrático-constitucional se assente sistemicamente, produzindo os impactos de progresso e desenvolvimento equilibrado e justo em qualquer que seja a seara.

A destarte, não se verifica no decurso da evolução humana, especialmente no plano da efetivação política, a consolidação de um regime democrático que não passe primeiramente pela implantação de uma Constituição, ou seja, o Poder Constituinte, espírito emoldurador da ordem constitucional democrática, deve ser antes de qualquer coisa a bússola que vai apontar para quais caminhos se deve seguir, fomentando a perseguição motivadora dos anseios sociais.

Se é verdade que na prática os princípios democráticos ainda sofrem constante aviltamento e vilipêndios no que tange ao respeito e cumprimento, no plano da formalidade a simples aposição dos mesmos ao longo da Carta Magna e, por conseguinte, ao longo da legislação de cunho infraconstitucional espraiadas como conseqüência da Lei maior, já é elemento garantidor de intimidação aos que desejam promover seu descumprimento e distorção.

Não cremos que se trate de simples negligência e abandono aos princípios, diremos que também o é, mas compreendemos que para uma efetiva ampliação do seu alcance a sociedade brasileira precisa primeiramente conhecer sua própria Constituição. Plaina sobre a sociedade uma ignorância voraz, que não se atreve a atacar somente os comuns, mas também aos juristas, aos políticos e aos intelectuais. Virou cena rotineira em nosso país o descumprimento, a distorção e a má interpretação dos preceitos arrolados na Carta Constitucional. É verdade que tal comportamento serve a interesses muitos, mas que também deriva do desconhecimento e, sobretudo, em função disso, da pouca maturidade do nosso povo no cumprimento de seus deveres para a então exigência de seus direitos.

A incredulidade que assola os quatro cantos do país no que se refere aos princípios tão brilhantemente defendidos pela Constituição não nos podem afastar da convicção de que nosso dever é lutar contra esta ordem. A Carta Constitucional por meio dos seus princípios democráticos não constituem elementos passíveis de negociação ou flexibilidade, eles existem para serem cumpridos e, principalmente, vivenciados cotidianamente. Não é cabível que a Carta Maior esteja toda “remendada”, esquecida de si mesma, abandonada de uma dignidade que tenta garantir.

O sentimento de ilusão é fruto de uma realidade expropriadora, excludente e, até certo ponto, antidemocrática, porque excludente. É um ciclo fechado que precisa ser rompido e que só vai ser rompido pela própria Constituição ou pelos homens que lhe dão voz. Para o bem de nossa nação os princípios constitucionais estão garantidos, garantidores que são, pois estão sedimentados no espírito popular, no anseio de cada um por melhoria, por justiça, por igualdade e paz. Eles precisam agora de um corpo, precisam efetivar-se no plano prático, a fim de que um belo sonho democrático não vire um pesadelo, fruto de uma ilusão entristecida.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

comente aqui!